plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

O que significa?
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Considerando o artigo "O que significa cuidar de um filho numa pandemia?" de Eliane Brum publicado no El País na última semana. Que neste mês, meu filho completa um ano. Que as pessoas têm me perguntado sobre como está sendo a restrição de convívio social e os impactos na criação de um bebê. 


A despeito de temas que já abordei aqui como: a ausência de rede de apoio; o malabarismo do home office; a espera pela vacina e por um governo minimamente decente e humano que possa cuidar do povo brasileiro. Me pergunto: o que significa cuidar de um filho numa pandemia?

UM ANO INTEIRO

Meu filho não conhece nem os primos, nem os filhos dos meus amigos. O mundo é, até então, um lugar de pessoas grandes e, com exceção do pai e da mãe, mascaradas. Não teve ainda a experiência de comparar seu corpo pequeno aos corpinhos de outras crianças. O que aconteceria, por exemplo, em uma festa de aniversário: uma farra de bebês, alguns engatinham, outros dão os primeiros passinhos, uns com dentes, outros sem. Todos ensaindo as primeiras notas do seu convívio social. 

Ainda guardo as lembranças que comprei para as visitas que meu filho receberia: quem sabe um mês após o seu nascimento? Sim, com um mês um recém-nascido pode receber visitas. Mas os meses foram passando e eu já poderia começar a pensar nas lembranças de um ano, caso fizéssemos uma festa de aniversário. Neste ano inteiro, as visitas foram raras, distantes, com máscara e ao ar livre. Conheceu um número de pessoas que se pode contar com os dedos das mãos. Dessas, desconhece o riso e o colo.

UM FUTURO PARA COMPARTILHAR

A pergunta de Eliane Brum significa para mim. Porque eu nunca havia sido mãe. Tampouco havia vivido uma pandemia. Então, eu só sei cuidar de um filho - ou estou aprendendo a fazê-lo - nesse contexto. Por vezes, me faltam referências: será que estou fazendo isso certo? Ainda que os efeitos psicológicos sejam desconhecidos, eu prefiro optar pelo exemplo em prol da nossa saúde e da saúde coletiva. "Como os adultos lidam com essa pandemia será um exemplo que marcará profundamente a formação de cada criança", diz Eliane Brum. Cuidar de um filho em uma pandemia significa poder lhe contar histórias sobre o isolamento e sobre o quanto as pessoas desejaram conhecê-lo e afofá-lo. Significa olhar para esse tempo não apenas querendo que tão logo passe e que o futuro chegue, porque nosso presente é aqui. A cada dia temos uma vida inteira de descobertas, que oxalá, em breve, possam ser compartilhadas.

Fiocruz
Eni Celidonio 
Professora universitária

style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">Eu nunca dantes em tempo algum vi tantas vezes a Fiocruz na TV. Todo dia, seja no Jornal da Globo, CNN, Bandeirantes, lá vem o prédio no meio da loucura da Avenida Brasil. As pessoas, quando se fala em Fiocruz, pensam logo em vacina, cientistas, etc... Eu não. Eu penso na minha infância. Sério... A Fundação Oswaldo Cruz me faz lembrar a infância. Já explico.

Conheci duas pessoas, fechadas, introspectivas, mas que, quando se colocavam frente a uma criança, mudavam totalmente: meu pai e minha sogra.

Minha sogra não era uma pessoa que se podia classificar como simpática e era uma avó que fugia da ideia de avó que se tem: não deixava os netos fazer o que queriam, dava-lhes limites, do tipo "isso não é pra mexer", "agora, a vovó vai ver TV, depois a gente brinca", "sofá não é pra pular, senta direito" e por aí ela ia impondo limites. E meus filhos eram apaixonados por ela. Por quê? Simples: ela era a dona de contar histórias, de ensiná-los musiquinhas da infância dela, e os meninos ficavam encantados.

Meu pai ia na mesma toada. Não havia criança que não gostasse dele. Meus primos passavam horas ouvindo suas histórias. Era aquele pai que saía com aquela corja de crianças para explorar os pastos quando íamos para Conservatória, geralmente à noite, para que víssemos as almas do gado saindo da terra (vim saber mais tarde que era fogo fátuo ou coisa que o valha). Nós ficávamos encantados com sua sabedoria, tudo pra ele tinha explicação, e era uma explicação criativa, que fazia com que a gente imaginasse, imaginasse e imaginasse...

Se estávamos sem fazer nada, lá vinha ele: "vamos atravessar o rio que tem em direção a Santa Isabel?" E lá íamos nós, ele à frente, molhando-se todo, com sua bolsa cheia de maçãs, que nós, encantados, sempre nos perguntávamos como ele as cortava sem que a gente visse sequer uma faca na sua mão (linha faz milagres, vim a saber depois). Viajar com ele era uma delícia! Lembro de sentar atrás dele nas viagens e, quando anoitecia, ele me dizia: "Presta atenção na lua, minha filha... Olha como ela cuida de você e fica acompanhando o carro só porque você está nele", e eu me sentia a cerveja mais gelada do freezer.

O CASTELO

A história da Fiocruz me acompanhou durante muito tempo. Cada vez que íamos à cidade (ou ao centro, como preferirem), passávamos pela Avenida Brasil e eu ficava encantada com aquele castelo no meio da avenida. Meu pai, vendo meu interesse, um dia me contou a origem daquele prédio: um belo dia, um rei se apaixonou perdidamente por uma indígena, lá pelos idos do Brasil Colônia, e ele tanto insistiu que se casaram.

Ele mandou construir aquele castelo para morar com sua amada, mas ela não durou muito tempo... Adoeceu e acabou morrendo de uma peste de homens brancos. Ele, desesperado, doou tudo o que tinha para a ciência descobrir uma cura para a tal doença. E assim nasceu a Fiocruz.

Acreditei nisso por muito tempo. Achava tão bonito...



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